13 de dez. de 2004

Documentos da ditadura podem ter sido queimados

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Rio de Janeiro - Documentos que provam que brasileiros foram vigiados pelos militares durante e após o fim da ditadura no País foram queimados na Base Aérea de Salvador, segundo reportagem exibida neste domingo pela TV Globo. A reportagem do programa Fantástico revela que apenas 78 documentos resistiram ao fogo.

Em nota divulgada antes de a reportagem ser exibida pelo programa, o Ministério da Aeronáutica informou que toda a documentação relativa ao período havia sido destruída em fevereiro de 1998, durante um incêndio nas dependências do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

Segundo a reportagem, papéis classificados como confidencial, secreto e ultra-secreto no período que vai de 1964 a 1994 foram queimados em uma área isolada, dentro de Base Aérea de Salvador.

A documentação encontrada nas cinzas, por um informante do programa, será encaminhada ao secretário de Direitos Humanos do governo, Nilmário Miranda, que preferiu não se pronunciar antes de ver a reportagem.


Autenticidade
Após examinar os papéis e as imagens feitas na base aérea, o perito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nelson Massini, concluiu que os documentos são "verdadeiros e próprios da época."

Segundo ele, é difícil precisar com exatidão a data da queima, que deve ter ocorrido de 15 a 90 dias atrás.

A reportagem mostra que o documento mais antigo é um relatório elaborado pelo Serviço Secreto da Aeronáutica em 17 de julho de 1964, que reproduz uma análise do partido comunista sobre o golpe militar feita em uma reunião em São Paulo em maio do mesmo ano. No papel ainda é possível distinguir o carimbo de secreto.


Morto em 1987
O documento que mais chamou a atenção dos historiadores ouvidos na reportagem foi a do advogado ligado ao PCdoB, Paulo Fonteles, que defendeu posseiros no sul do Pará. Segundo o relatório, ele "enalteceu a Guerrilha do Araguaia", uma ação armada de militante do partido nos anos 70.

Fonteles, que aparece em uma foto ao lado do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi assassinado em junho de 1987. "Paulo começou a sentir como se estivesse sempre sendo seguido, e tal documento vem corroborar a supeita que Paulo manifestou", afirmou a viúva do advogado Hecilda Veiga, que também foi presa e torturada na época.

Outro documento importante encontrado foi um informe secreto do comando da Marinha emitido em 1969, que relata a prisão de militantes políticos e leva o visto do vice-almirante Geraldo Azevedo Henning. Homem que cinco anos mais tarde ocuparia o cargo de ministro da Marinha no governo do presidente Geisel.

Mas a papelada revela ainda que as investigações não ficaram restritas ao período da ditadura. O vereador de Aracaju Marcélio Bonfim aparece em um documento confidencial do comando do Segundo Distrito Naval de Salvador. A ficha, porém, foi produzida em pleno governo José Sarney, primeiro presidente civil após o regime militar.

"Não quero revanchismo, mas que se tenha o direito de conhecer os arquivos. Essa é uma dívida que o governo brasileiro tem com a sociedade", afirmou o vereador.


Subversivos
Na reportagem, a historiadora Maria Aparecida de Aquino se mostra preocupada coma possibilidade de mais documentos terem sido queimados em outras unidades militares. "Os famososo documentos, por exemplo, os da Guerrilha do Araguaia, podem estar sendo incinerados criminosamente neste momento", alerta.

A reportagem informou que, dos 78 documentos que resistiram ao fogo, dez são prontuários de pessoas consideradas subversivas e que levam a inscrição Comando Costeiro de Salvador Ministério da Aeronáutica, órgão que foi extinto em janeiro de 1981.

Outros três têm a marca do Serviço de Informação da base aérea de Salvador. Além disso, existem 43 relatórios de observação de suspeitos, relatos de ações policiais e comunicados internos - a maioria tendo como fonte a Secretaria de Ordem Política e Social na Bahia. Do total, 27 são documentos de origem diversas, alguns produzidos na própria base.


Mônica Ciarelli

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